domingo, 22 de agosto de 2010

Mais uma face da miséria

Continuando a série de histórias de personagens que encontrei nas ruas enquanto fazia entrevistas para a monografia - a primeira delas está no post "Um Rio onde tudo é música" -, conto agora sobre uma senhora pedinte que conheci.



A foto que ilustra esse post foi feita por Erika Vettorazzo.

Boa leitura!



A mendicidade é a exploração mais regular, mais tranqüila desta cidade. Pedir, exclusivamente pedir, sem ambição aparente e sem vergonha, assim, à beira da estrada da vida, parece o mais rendoso ofício de quantos tenham aparecido; e a própria miséria, no que ela tem de doloroso e de pungente, sofre com essa exploração (Trecho de "As mulheres mendigas", do livro "A alma encantadora das ruas", de João do Rio")
 

Sentada à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Rua Uruguaiana, Margarida de Carvalho pede esmolas. Mineira da cidade de Cajuri, Margarida mora há 50 anos no Rio. Ela conta que veio para a cidade após ser doada para uma família carioca.

Mãe de três filhos, Margarida é moradora de Madureira. Sua casa foi construída com o dinheiro que ganhou na rua. Primeiro como catadora de papelão e, depois, devido a um atropelamento, como pedinte. Antes disso, Margarida trabalhou como empregada doméstica. “Parei de trabalhar com isso por que patrão explora muito”.

A imagem de Margarida parece um retrato fiel daquilo que se imagina de quem vive na mendicância. Com aspecto frágil, curvada aos pés de uma igreja, ela usa várias saias, uma por cima da outra. Na cabeça, um lenço esconde os cabelos bancos que insistem em sair próximos à orelha. Veste uma blusa branca e um chale marrom. Ao seu lado, um copo de plástico com algumas moedas demonstra que o dia não está dos mais rentáveis. Porém, para pedir, Margarida não usa de lamentos ou súplicas, não “chora humildades”. Apenas chacoalha o copo e, com sorte, o dinheiro surge.

Um dos filhos de Margarida é contador. Outro trabalha como pedreiro. O mais velho, morreu. Os três estudaram e conseguiram se formar graças ao dinheiro conseguido pela mãe nas ruas. “Meu filho fala que é para eu sair dessa vida. Mas eu gosto de ter meu dinheiro”, diz. Quando perguntada se não tem medo de sofre algum tipo de violência, Margarida afirma que não há muito perigo na região que ela fica. “Estou em frente à igreja e o povo respeita. Além do mais todo mundo aqui me conhece”. Ou, como diz João do Rio, Margarida escolheu seu “ponto livre de imprevistos”.

Terminada a entrevista, confirma-se aquilo que Margarida diz: pelo menos cinco pessoas que estavam ao redor se aproximam dela para saber o porquê de tantas perguntas.


Clara Araújo

Um comentário:

  1. Muito legal a matéria. Conhecer um pouco mais daqueles que compõe o cenário do centro do rio e saber que há uma história, por vezes para lá de curiosa, a respeito do cotidiano dessas pessoas.
    jaque

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