segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Um Rio onde tudo é música"

Calça jeans, blusa vermelha, sapatos sociais. Os óculos de grau e os poucos cabelos claros e alinhados adornam a cabeça. Em uma manhã quente de maio, debaixo do viaduto da Perimetral, Renê Roque Beckenkamp e sua mulher, Dalva Linedae, são os responsáveis pela música que ecoa pela praça centenária. Gaúchos, de Santa Cruz do Sul, o casal mora no Rio há dois anos. Casados há seis, vivem desde então da música tocada na rua.

Enquanto tento conversar, Renê, trompetista desde a adolescência, ensaia acordes em cima da música que toca na caixa de som, comandada por Dalva. “Ela é meu braço direito”, diz Renê. ”Braço direito, esquerdo, mãos, pés...”, completa a mulher, que ajeita cuidadosamente os CDs expostos para a venda.

Entre um sopro e outro, o trompetista me conta que é músico desde a infância. Quando criança, tocava pandeiro no grupo da família. Cansado do batuque, resolveu que iria aprender trompete e aprendeu. “Sou autodidata”, salienta.

Depois disso, tocou por sete anos com a banda “Alma Latina”, fundada por ele. “Fazíamos shows, tocávamos bastante. Mas o grupo foi se tornando maior do que eu, então decidi sair”, relembra. Hoje, com três CDs gravados e compostos por ele, Renê diz que é na rua que consegue ganhar dinheiro para complementar a aposentadoria de soldado do exército.

Aos 68 anos, o músico afirma que passa o dia todo tocando. A praça XV é o ponto da manhã. Depois, geralmente segue para o Largo da Carioca. “Cada músico da rua tem seu ponto e se respeita. Se respeita e se ajuda”, diz.

- Por que o senhor só toca nas ruas?, pergunto.
- A rua é encantadora. Não há lugar igual. E nas ruas do Rio encontrei pessoas incríveis. Gente que se ajuda, que conversa. Fiz grandes amigos trabalhando por aqui. Eu estou na rua mas sinto na sala da minha casa.

Fim da entrevista.

Não encontro neles nenhuma ânsia de miséria, nenhum piresinho de metal desejando qualquer moeda. Nada daquele sonho romântico que relega aos músicos o destino de morrer de fome e viver de ilusão. O casal está à vontade e parece feliz.

Como num “gran-finalle”, Renê tira sua mulher para dançar. E, quando estamos saindo, ele grita:

- Depois manda umas fotos. É pra gente colocar no site.



Clara Araújo

Um comentário:

  1. Oi pessoal,
    Eu vi um documentário outro dia sobre os artistas de rua, eu considero bem interessante pois é uma forma de democratizar a arte e repensar a nossa interação com o espaço urbano. Muitas vezes, em funçao de nos sentirmos inseguros, e, pressionados pelo tempo, passamos a ser estrangeiros de nossa própria pátria, assim a noção de cidadania e de respeito a nos mesmos e ao outro se perde. A arte de rua nos ajuda recapturar nossa humanidade no meio da correria e do cinza das cidades. Ixi...dá o que pensar esse assunto lembrei do Poema Sujo de Ferreira Gullar

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