segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tragédias repetidas e anunciadas

O olhar de uma profissional do Instituto Estadual do Ambiente - INEA sobre os trágicos acontecimentos na Região Serrana. Helga acompanhou o trabalho de resgate no Vale do Cuiabá, em Petrópolis, como engenheira e como vítima de uma realidade dura e difícil de ser aceita. 

"Mais mortes, mais tragédia... Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo. São Paulo está um caos há dias.

Alguém se lembra das tragédias do ano passado, no Brasil todo? Quem perdeu parentes e amigos com certeza, mas será que os deputados da bancada ruralista lembram? Será que eles estão assistindo estes novos acontecimentos?
A devastação no Vale do Cuabá - Por Michael Lennertz 

Tecnicamente falando, como engenheira florestal e analista ambiental do Instituto Estadual do Ambiente – INEA, na sede de Petrópolis-RJ, eu digo: o novo texto que está sendo votado pela bancada ruralista só vai contribuir para novas tragédias.

A conservação dos topos de morro, das encostas íngremes, nascentes e margens de rios não é uma loucura de ambientalistas, mas necessidade técnica. Quanto mais o solo ficar impermeável menos água irá infiltrar e maiores serão as enchentes. É fato, não teoria, nem falácias de “eco-chatos”.

Como fiscal, muitas vezes me questionam da real necessidade de existir uma reserva florestal, porque o empreendimento poderia ser maior, com mais casas no condomínio ou um galpão maior para a fábrica (mais lucro para o empresário, lê-se aqui).

E casas nas margens de rios e encostas?

Muitos chegam a alegar que é só construir um muro bem feito! Os donos das empreitadas não aceitam e estão dispostos a tudo para para não respeitar a faixa de segurança de 30 metros, que proíbe a construção da margem do rio. Absurdo! Para eles, cinco metros já é suficiente para o rio passar...
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Outro dia uma senhora reclamou porque foi multada devido a um corte irregular que fez no barranco de sua casa para ter mais espaço no terreno. Havia uma rua com casas em cima e a encosta era íngreme. Dias depois choveu muito forte e o barranco cedeu. Sorte que as casas não foram atingidas, e só a rua sofreu estragos. Sorte.

Mas as tragédias ocorrem. Os rios em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo levaram casas, até de quem estava longe deles, sabe por que? Porque os topos de morros estão desmatados, porque as pessoas na ânsia de se beneficiar com tudo aterram os pequenos córregos, modificam os cursos naturais dos rios e aterram suas margens.

Vale do Cuiabá - Por Daniel Motta
As encostas cederam devido aos corte realizados nos barrancos, às ruas abertas de qualquer jeito e à revelia da legislação ambiental foram palco da maior tragédia natural que o país já viu.

A famosa Faixa Marginal de Proteção (Área de Preservação Permanente nas margens dos rios), calculada por especialistas sérios é de suma importância. O rio passa em seu leito menor (calha normal do rio) mas com as chuvas ocupa as suas áreas de leito maior, aquelas que a legislação tenta proteger da ocupação do homem, não apenas para proteger o rio, mas principalmente para proteger vidas!

Manter áreas verdes nas zonas rurais (a Reserva Legal, por exemplo) e nas cidades (margens de rios, topos de morro, encostas) é essencial para reduzir o volume de água que chega aos rios de uma só vez durante as chuvas.

Mas ignoramos tudo isso, e quando a lama for retirada, as ruas secarem e os rios voltarem ao seu curso normal, novamente vou escutar, de senhores bem vestidos e instruídos: “tenho mesmo que fazer esta tal reserva florestal? Mas o novo código florestal vai acabar com ela!”, ou ainda, “por que não posso construir nas margens do rio? Faixa de 30 metros? Isto é besteira, o novo código vai reduzir isto”.

E quanto mais limitarem a legislação ambiental maiores serão as marcas nas paredes das casas e nos corações de quem perdeu tudo, ou quase tudo."

Helga Dias Arato
Engenheira Florestal
Instituto Estadual do Ambiente - INEA
Superintendência Regional do Piabanha
Petrópolis/RJ 

Jaque Deister

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